BA 192 | Em vendas, a inteligência emocional é colocada à prova diariamente

O maior tropeço é se achar bom demais e parar de prestar atenção ao cliente. É preciso praticar a empatia diariamente

Conceitualmente na psicologia, inteligência emocional é a capacidade de identificar e lidar com as emoções e sentimentos pessoais e de outros indivíduos. Em vendas, ela é fundamental e fator decisivo para o crescimento profissional. Em se tratando de autopeças, o esforço muitas vezes é muito maior do que para quem atua em outros segmentos.

André Buric, especialista brasileiro em Neurociência Comportamental e CEO do BrainPower, academia cerebral

Nesta matéria, André Buric, especialista brasileiro em Neurociência Comportamental e CEO do BrainPower, academia cerebral, explica que para um profissional de vendas, a inteligência emocional é crítica em 3 momentos. Mário Rodrigues, CEO do IBNVendas, dá dicas para se autoconhecer e desenvolver a inteligência emocional (ver boxes). E dois profissionais do setor contam como lidam com a inteligência emocional no atendimento.

Representante comercial da Bezerra Oliveira, Francisco Gomes teve o primeiro contato com autopeças na oficina de seu pai. Em autopeças, ele trabalhou no estoque, no balcão, na gerência e no telemarketing até chegar à representação. Ele também ministra um curso de formação de balconistas.

“O desafio para ser um vendedor de alta performance, que vai entregar um bom resultado, é entender o mercado em que ele atua, se conhecer como profissional e ter empatia para identificar que, como detentor da informação, ele precisa oferecer uma solução ao problema que o cliente está trazendo. A grande sacada do mercado de autopeças é que a gente ganha dinheiro resolvendo o problema do outro”, afirma.

Por se tratar de uma venda de necessidade, diferentemente da venda de acessórios para embelezar o carro, Francisco diz que ela requer um esforço muito maior. “Há uma carga negativa muito forte de um cliente que vai na oficina ou na autopeça, cabe a nós como profissionais de venda entender que aquele é um dia atípico para ele e trabalhar dentro da perspectiva de que o balcão detém a informação. E nem sempre o cliente tem as informações corretas do que precisa e ele chega muito mais inseguro e desconfiado”.

Tranquilidade e segurança

Cabe ao vendedor transmitir segurança, tranquilidade, informações relevantes e o melhor custo/benefício. “É preciso estabelecer uma relação de confiança com o cliente e isso acontece no momento do atendimento. O profissional que está no balcão e tem uma inteligência emocional condizente com as demandas que irão aparecendo no dia a dia, antes de tudo, ele precisa se conhecer como profissional”.

Nesse quesito, Francisco diz que é preciso conhecer os seus pontos fracos. “Todos nós somos multiespecialistas, obrigatoriamente, nós temos no Brasil uma infinidade de marcas e modelos de veículos, e lançamentos a todo momento. Vão chegar no balcão veículos de qualquer ano procurando peças das mais diversas. Eu tenho que me autoconhecer como profissional, saber quais são meus pontos fortes e quais são os meus pontos fracos, e onde é que eu vou buscar esta informação, para eu transmitir segurança para o cliente”.

A mensagem é sempre tranquilizar o cliente. “O autoconhecimento do profissional vai evitar abalos, porque se eu mostrar insegurança para o cliente, imagina o tamanho do impacto negativo que isso pode causar na venda. Dizer, “fique tranquilo, que eu resolvo o seu problema”, fortalece a relação de confiança e eu tenho a segurança de que mesmo que eu não saiba exatamente onde tem aquela peça, há meios para tentar descobrir, como a tecnologia, o meu network e os distribuidores”.

Ele destaca que no momento em que se trabalha as próprias falhas, sabendo que você é um profissional competente e limitado, por esse mercado ser tão amplo, você está mais aberto para aprender, para não se sentir ameaçado por esse mercado, mais aberto para receber sugestões, ideias e críticas.

E não importa em qual canal de venda você trabalha, no balcão, no televendas ou como representante comercial, claro, que em cada um deles muda a forma de se comunicar com o cliente, mas, em comum, é preciso sempre extrair o máximo de informações do cliente. “Um dos grandes problemas no nosso mercado é que as informações nunca chegam completas ao profissional do balcão”, assegura.

Francisco Gomes, Representante comercial da Bezerra Oliveira

Nos cursos em que ele ministra, Francisco sempre faz uma comparação com os vendedores de farmácia. “Eles já recebem do médico uma receita pronta, enquanto o vendedor de autopeças recebe parte das informações vinda do mecânico, muitas vezes incompleta, e no balcão tem que ser feito esse ajuste, que é muito sensível à proatividade do balconista. Ele tem que estar sensível ao que o cliente precisa, as informações que lhe faltam para ele ir montando esse quebra-cabeça e conseguir chegar na peça certa”.

Uma dica que ele deixa para o aprimoramento pessoal é trabalhar com metas. “Isso faz muito sentido, pois a meta só entra na nossa vida profissional quando a gente entende que ela também faz parte da nossa vida pessoal. Trabalhar com metas é se desafiar, é sempre tentar evoluir. O profissional que não usa a inteligência emocional para aceitar metas como um desafio, às vezes visto como um bloqueio ou uma cobrança, ele não cresce”.

Honestidade

Simerlei Grala, representante comercial e sócio de seu pai na Grala & Grala Representações, em Porto Alegre (RS), também começou no setor com o seu pai. “Eu estou neste ramo há 27 anos. Quando eu tinha 13 anos, meu pai tinha um cliente, uma distribuidora, que eu comecei a vender para ela para as autopeças de cidades vizinhas. Eu estudava de manhã e fazia as visitas à tarde de bicicleta. Aos 18 anos, eu iniciei um trabalho no escritório como representante comercial, atendendo distribuidoras”.

Hoje, são cerca de 40 clientes na carteira da empresa, e Simerlei é formado em Administração, com pós graduação em Marketing e Vendas. Para ele, a base de tudo quando questionado sobre inteligência emocional é a honestidade. “Para estar nesse ramo e não ser um aventureiro, tem que ser honesto. A maioria dos meus clientes está há mais de dez anos com a gente. Se não for honesto com o seu cliente, não conseguirá ter uma história com ele”.

O segundo ponto é trabalhar com produtos de qualidade, com algo que você acredite que seja bom e que confie. “O cliente que vem pelo preço vai embora pelo mesmo motivo. Hoje, você pode ter o melhor preço e se amanhã tiver um concorrente com preço melhor, você irá perdê-lo. Meu foco são os clientes que preferem ter um produto com qualidade, preço justo e com bom atendimento”.

Simerlei Grala, representante comercial e sócio na Grala & Grala Representações, em Porto Alegre (RS)

Ele chama a atenção para a falta de treinamento, principalmente em televendas. “Por mais que às vezes a distribuidora compre o produto com qualidade e preço justo, ele tem um televendas que só está focado em vender, pois ele não quer perder tempo argumentando que o produto é bom. Temos que tentar persuadir o cliente, mas com argumentos reais. Não prometer algo que não conseguirá cumprir. Ainda mais porque a gente lida com itens de segurança”.

Proatividade

Se antes os representantes comerciais eram vistos como tiradores de pedidos, Simerlei diz que isso faz parte do passado e que hoje o atendimento é primordial, com inteligência emocional e a parceria. “Hoje, a exigência é muito maior”, afirma. E um trabalho que eles fazem para os seus clientes é um acompanhamento mensal, do quanto eles venderam, se estão tendo crescimento, o quanto compraram, o quanto elas têm no estoque e para quanto tempo, e mostrando também as oportunidades.

“No início, alguns achavam isso ruim, mas quando a gente consegue mostrar o crescimento que elas estão tendo por linhas de produtos, as oportunidades, e mostrar que não é só vender, mas ver o que eles estão vendendo, isso muda. E, ao apresentarmos itens de curva que eles não estão comprando, a gente vai entender se estão comprando do concorrente ou se estão deixando de vender”.

Simerlei também conta como lida com a cobrança. “Hoje, eu consigo controlar um pouco a minha emoção, pois muitas vezes eu acho que é onde ocorrem os erros. Os gerentes (das fábricas) fazem cobranças absurdas para nós representantes e, às vezes, muitos deles acabam vendendo para clientes que vão dar problemas posteriormente. Por mais que a lei diga que não, eu sou responsável pela minha venda”.

O que ajuda também é o grupo de representantes o qual ele faz parte. “Eu entrei nesse grupo faz cerca de um ano, resisti um pouco, pois achava que um ia querer saber informação do outro. Mas é muito boa a troca de informações que temos sobre o mercado. No nosso grupo tem vários que tomaram calotes que acabaram caindo pela pressão dos gerentes”.

Segundo ele, “quem chega oferecendo o melhor desconto, o melhor preço e tenta fechar uma negociação a qualquer custo, acaba desvalorizando o seu produto. Se tem um produto bom, com qualidade e preço justo, e que está girando no mercado, o cliente também tem que se esforçar para tê-lo”, conclui.

Interferência dos meios digitais

Mário Rodrigues, CEO do IBNVendas

Mário Rodrigues faz uma análise da importância da inteligência emocional em vendas, “pois, nós estamos interferindo na decisão do outro, conduzindo ou inspirando nesta decisão, isso é bem mais profundo do que um mero atendimento”, e o quanto os meios digitais mudaram a capacidade de interpretarmos as reações dos outros.

“Em função de a gente se comunicar cada vez por meios tecnológicos, nós ficamos feras em emojis, em palavras mal escritas ou novos símbolos que fomos criando e perdendo a habilidade de interpretarmos expressões faciais. A inteligência emocional foi sumindo e a capacidade de lidar com as situações. Eu fico frustrado, pois não consigo me fazer claro ou não sei se estou sendo claro e o outro não é capaz de me entender. E a gente começa a ter cada vez mais opositores no nosso lidar com as pessoas”, explica.

Só que no trabalho, diferente das relações familiares, não há uma segunda chance. “As empresas perceberam e começaram a se dedicar à inteligência emocional e aumentou a procura por cursos de “comunicação não violenta”. Para prestar atenção no que diz e no que ouve, ser o mais claro possível no que quer dizer e pedir como gostaria de ser tratado, com igual clareza”.

Segundo ele, para usar mais a inteligência emocional a seu favor, é preciso praticar mais a empatia para conhecer o outro e, para isso, é preciso se conhecer também. “O que eu oriento os meus clientes, e que eu comecei com a minha família e para mim funciona muito, é a meditação. Parece difícil parar um pouquinho e não ficar se apegando a várias coisas ao mesmo tempo. Mas, ninguém consegue prestar atenção em várias coisas ao mesmo tempo. O Daniel Goleman, especialista em inteligência emocional, escreveu um livro chamado “Foco”. Ele fala sobre a nossa quase incapacidade de focar e como treinar isso. Precisamos praticá-lo, prestar atenção, e praticar a escuta ativa”.

Em vendas, ele ressalta que atendimento não é volume, mas sim, qualidade. “A qualidade traz volume e não o contrário. Se usarmos mais a inteligência emocional, a gente atinge a alta performance, que é fazer mais com menos. É produzir mais com menor esforço, pois você põe qualidade no processo”.

Um dos riscos, alerta Mário, é a autoconfiança. “É no óbvio que a gente tropeça. Se tem uma montanha na sua frente, você não vai cair, mas vai tropeçar nas pedrinhas pequenas, aquelas que a gente ignora. No atendimento, por exemplo, quem trabalha numa loja há 30 anos sabe o que o cliente quer. De fato, ele tem essa habilidade, mas se parar de prestar a atenção no outro, ele vai tropeçar na pedrinha e vai quebrar o pé. Tem que ter a inteligência de saber o quão bom eu sou e me colocar no risco, pois eu começo a subestimar as coisas simples e é no simples que está o profundo”.

E ele traça um paralelo com o paraquedismo. “Ele é um dos esportes mais seguros e só morre quem é bom, pois quem está começando ou no meio da carreira, não vai deixar de prestar atenção nas coisas básicas de segurança. O que acontece em vendas é se entregar às emoções, ao impulso e daqui a pouco estar discutindo com um cliente, se esquecer que o foco é atendê-lo e trazer o rendimento que a empresa espera para aquele atendimento. Assim como no paraquedismo, em vendas, só comete esse erro quem se julga muito bom, pois tem experiência e se esquece do básico”.

Mario sintetiza que a inteligência emocional é um exercício diário. “A gente desenvolve a habilidade desde a primeira infância e depois vamos desaprendendo. As primeiras comunicações não são com as falas, mas com os olhares, toque, cheiro e calor. Ainda que seja uma relação comercial, as mesmas ferramentas valem para as vendas; o olhar, o toque e o tom de voz”.

Ele finaliza dizendo que a inteligência emocional convida para falar de empatia, empatia convida a ouvir e ouvir convida a falar de escuta ativa. “Escuta ativa é a atenção plena, é prestar atenção em cada reação do que eu digo, depois quando eu te dou a palavra, eu preciso ouvir como cada uma delas soa, decodificar e guardá-las, para te atender plenamente”.

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