BA|209 Presença feminina na reposição automotiva

Considerado masculinizado, as mulheres têm conquistado o seu espaço, assumindo cargos de liderança, empreendendo, mas ainda há um longo caminho a percorrer

Por Karin Fuchs

Nesta matéria especial em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres, conheça as histórias de quem faz parte do mercado de reposição automotiva. Começando pelo varejo, de maneira geral, Stella Kochen Susskind, CEO da SKS CX Cliente Oculto e autora do livro “Cliente Secreto, a metodologia que revolucionou o atendimento ao consumidor”, nos traz um retrato do setor e mostra que ainda há um gap entre presença feminina e a participação em cargos de liderança.

“O setor varejista no Brasil é bastante diversificado, segmentado e tem passado por mudanças na composição de sua força de trabalho. Segundo um estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), as mulheres representam 51,9% dos funcionários do varejo brasileiro, mas apenas 31,8% dos cargos de liderança. Que pena! Um caminho a percorrer, mas chegaremos lá!”, comentou.

Stella Kochen Susskind, CEO da SKS CX Cliente Oculto e autora de livro

Ela também especificou alguns setores do varejo que tinham presença predominantemente masculina e que as mulheres foram conquistando o seu espaço. “No varejo de material de construção, as mulheres representam 36,4% dos funcionários e 23,5% dos cargos de liderança. No de eletroeletrônicos e informática, as mulheres representam 38,9% dos funcionários e 25,9% dos cargos de liderança”.

Especificamente no varejo automotivo e de autopeças, “as mulheres representam 24,1% dos funcionários e 16,7% dos cargos de liderança. Eu tive o prazer de conversar com uma empresária do setor de autopeças, é a segunda geração de um negócio que atua há 51 anos na Grande São Paulo e essa mulher entende muito do negócio! Esses são alguns exemplos de setores do varejo no Brasil que as mulheres têm conquistado o seu espaço, mas ainda há muito a avançar em termos de equidade de gênero, diversidade e inclusão”, ponderou.

Diferenças entre gêneros

Nas palavras de Stella, as vendedoras brasileiras têm conquistado o seu espaço e reconhecimento no mercado de vendas, graças à sua determinação, criatividade, resiliência e capacidade de superação. “Algumas das formas como elas têm feito isso, que me enchem de orgulho, são buscando qualificação e atualização constantes, aproveitando as suas habilidades e diferenciais, formando redes de apoio e colaboração, e empreendendo e liderando”.

Valéria Máximo, sócia-proprietária da 5 Equinas Auto Peças, na região central de São Paulo (SP)

Ela destacou que “as mulheres têm características que podem ser muito vantajosas em vendas, como a empatia, a comunicação, a escuta ativa, a persuasão, a flexibilidade, a organização e a visão holística. Elas sabem como usar esses atributos para se conectarem com os clientes, entenderem suas necessidades, oferecerem soluções personalizadas e fidelizarem relacionamentos”.

Empreendendo e liderando, disse ela, “as mulheres também têm demonstrado o seu potencial empreendedor e líder, criando e gerenciando seus próprios negócios, ou ocupando posições de destaque e influência nas empresas em que trabalham, servindo de exemplo, referência e inspiração para outras mulheres e para o mercado em geral!”

Preconceito

Questionada se ainda há preconceitos por parte dos homens em serem atendidos por vendedoras, Stella respondeu: “essa pergunta é muito interessante e importante, mas não tem uma resposta simples, infelizmente. O preconceito contra as mulheres é uma questão complexa e multifacetada, que envolve aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos. E independe de setor e classe social. Não é possível generalizar a opinião de todos os homens brasileiros sobre serem atendidos por mulheres, pois isso pode variar de acordo com o contexto, a situação, a área de atuação, a formação, a idade, a região, entre outros fatores”.

Ela mesma foi vítima de preconceito. “Eu desfiz uma sociedade de quase duas décadas quando me tornei cinquentona (e feliz), quando o ex-sócio me falou da crise dos 50 eu me controlei muito para não dar uma resposta arrasadora. Sabe o que eu fiz? Eu inverti a situação! Olhei para ele, 20 anos mais velho que eu, pensando: nossa, esse cara tem problemas e não são poucos, e a minha felicidade de ter chegado aos 50 anos o incomoda. Por mais que eu amasse o meu negócio e dependesse financeiramente dele, peguei a minha bolsa e fui embora. Não estou sugerindo que ninguém largue o emprego, principalmente porque muitas de nós somos arrimo da família”.

As dicas dela são “não se cale, se o preconceito for passível de alguma ação legal. Procure os seus superiores e os órgãos responsáveis. Se o preconceito vier do seu superior ou colega de trabalho vá direto procurar seus direitos. Se imponha! Não se iguale ao nível do preconceito, se imponha e mostre a você mesma do que é capaz. Lembre-se que o preconceito surge na maioria das vezes de problemas psicológicos ou sociais muito sérios de quem o pratica! Use isso a seu favor e coloque figurativamente seu salto alto”.

Sandra Bressan, gerente de Compras da Josecar Autopeças

Proprietária de loja

No início da pandemia de Covid-19, Valéria Máximo decidiu empreender e abriu a sua loja, a 5 Equinas Auto Peças, na região central de São Paulo. Por anos, ela trabalhou para o Governo Federal, pediu demissão, e antes de abrir a sua loja, atuou na empresa de uma amiga que prestava assessoria empresarial e que tinha também uma autopeças, mas sem estar envolvida diretamente no negócio. Lá, Valéria começou a conhecer o universo de autopeças.

“Em março de 2020, quando foi decretada a pandemia, todo mundo cancelou os contratos com a empresa de assessoria e eu fui demitida. Eu já prestava assessoria para autopeças, mas conhecia muito pouco do ramo, decidi abrir o meu próprio negócio, não queria mais ter chefe. Eu tinha pouco dinheiro guardado, meu pai me emprestou um pouco, e abri a autopeças”, recordou-se.

Mas não tem tudo foram flores. Após 50 dias da abertura da loja, parece que tudo iria por água abaixo. “Eu fui assaltada na noite de reveillon e levaram tudo que tinha dentro da loja, até os cestos de lixo. Eu não tinha dívida nenhuma, tudo o que estava na loja estava pago, mas não tinha mais dinheiro. Liguei para os meus fornecedores, contei o que aconteceu e disse que precisava de ajuda. Eu tinha contrato de locação, funcionário, não podia parar. Conseguiu descobrir quem foi (o responsável pelo roubo) e recuperei parte da mercadoria. Comecei tudo de novo”.

E não para por aí, em 2022, Valéria sofreu outro golpe. “Eu tinha um funcionário que morreu de câncer e eu descobri que ele tinha deixado um roubo de R$ 100 mil. Eu fiquei sozinha na loja e tive que aprender tudo na marra. Vários dias eu saia da loja passando muito mal de tanto nervoso, mas consegui pagar a dívida no ano passado”. Hoje, são três funcionários na loja que ocupa uma área de 300 metros quadrados e Valéria já pensa em contratar mais.

“A melhor decisão que tomei na minha vida foi não desistir, e a loja nunca esteve tão bem. Em breve, terei que contratar mais gente. Ao meu redor tinham lojas com décadas de existência e só sobrou a minha na região central. Desde o início, eu sempre fui muito honesta com os meus clientes, 95% deles são homens e eles confiam no que eu falo. Tudo na minha loja sempre foi comprado com nota e tenho controle de tudo, até do parafuso que é vendido. E aqui na loja, eu faço de tudo até a entrega de peças”, finaliza.

Paixão pelo setor

Sandra Bressan é graduada em Administração de Empresas e começou a sua jornada no setor de autopeças em 1979, no seu primeiro emprego, quando uma agência de emprego lhe ofereceu uma posição como auxiliar de compras. “Me apaixonei pelo ramo de forma surpreendente, a ponto de entender mais de autopeças do que de maquiagem! Desde então, tenho trabalhado em algumas das empresas mais renomadas do setor”.

Hoje ela é gerente de Compras da Josecar Autopeças e o que mais lhe agrada na sua profissão é a interação com as pessoas. “Seja com clientes, fornecedores ou colegas de trabalho. Aproveito cada oportunidade para contribuir com o desenvolvimento de outros e para compartilhar meus conhecimentos”.

Luciana Wanke, diretora de Recursos Humanos da AutoZone Brasil

Ela contou também que ainda que haja preconceito no setor, pela forte presença masculina, isso nunca lhe afetou. “O preconceito ainda existe de forma velada, mas isso nunca me abalou. Ao contrário, sempre usei essas situações como incentivo e desafio para superar limites e entender ainda mais sobre o meu trabalho. As minhas principais conquistas na carreira são o respeito e a valorização que recebo pelo meu trabalho, tanto de colegas quanto de parceiros de negócios”.

Para finalizar, ela falou sobre mulheres no setor de autopeças. “Eu diria que o setor de autopeças é verdadeiramente apaixonante e cheio de oportunidades, especialmente para mulheres que trazem consigo características como empatia e resiliência. Esses atributos, juntamente com a competência técnica, são diferenciais que nos colocam à frente para uma carreira de sucesso nesta área”.

Primeira em cargo de liderança

Na AutoZone Brasil, atualmente, são 350 mulheres no quadro de funcionários, 46 delas em cargos de liderança, de um total de 1.290 pessoas, o que representa quase 30% dos funcionários. A AutoZone tem um programa chamado AZ WIN – AutoZone Women Initiative, que visa promover diversidade e criar oportunidades contínuas de liderança e aprendizado para as mulheres. Foi assim que Luciana Wanke, diretora de Recursos Humanos, foi a primeira mulher contratada para um cargo de liderança dentro da empresa, em 2012.

“Quando cheguei nesse mercado não sabia o que era o segmento automotivo. Um dos grandes desafios que me atraiu para trabalhar na AutoZone foi o de transformar o nosso ambiente de loja e atendimento, para que as mulheres se sintam cada vez mais seguras em adquirir autopeças e acessórios nas praças onde já atuamos. Na minha experiência de 11 anos de AutoZone, avançamos bastante na questão de mulheres na liderança tanto em nosso escritório quanto em nossas lojas e nossos fornecedores também nos ajudaram nesse termômetro durante esses anos, devido aos contatos diretos com mulheres que nos apoiaram em nossos eventos internos de promover o empoderamento das mulheres”.

Hoje, a empresa tem mulheres em todos os setores e em cargos de liderança em Recursos Humanos, Finanças, Gestão de Lojas, Desenvolvimento de Rede, Prevenção de Perdas, Marketing e Merchandising, em Loja. “Quando entrei na AutoZone, em 2012, desde que comecei, sou promotora da igualdade de gênero adotando a diversidade dentro da organização, que é um dos valores da AutoZone. Tenho muito orgulho também de ter implementado a iniciativa global AZWin, que empodera as mulheres em cargos de liderança desde 2016”, afirmou.

Para lidar com algum tipo de preconceito, Luciana contou que na empresa, todas as mulheres foram preparadas para prover um atendimento ao cliente nas lojas. “Elas foram treinadas para ajudar o cliente, que ainda é majoritariamente masculino, no que ele precisa. Mas ainda enfrentamos clientes que querem ser atendidos por homens e temos a habilidade de dar um conselho confiável em todas as situações. O mais surpreendente é vermos como muitas vezes eles ficam impressionados com o nível de conhecimento e qualidade de atendimento que nosso time feminino oferece. Quebramos paradigmas todos os dias”.

Uma das políticas adotadas pela empresa é de que toda loja da AutoZone deve ter pelo menos uma mulher na equipe, assim como todo processo seletivo deve haver uma mulher entre os finalistas. “O processo de seleção é o mesmo para homens e mulheres. Após a admissão, a AutoZone tem um programa de treinamento on the job para todos os AutoZoners que não têm conhecimento prévio de autopeças, sejam homens ou mulheres. Na AutoZone acreditamos que todos os gêneros são igualmente capacitados”, concluiu.

Patricia Micolaiciunas, gerente de Marketing e Comunicação da Cobra Rolamentos e Autopeças

Experiências que somaram

Antes de entrar no setor, Patricia Micolaiciunas, gerente de Marketing e Comunicação da Cobra Rolamentos e Autopeças, teve a sua primeira experiência profissional na área de vendas de um distribuidor da Xerox do Brasil. Durante a graduação em Administração de Empresas, começou como estagiária na área de vendas da Sachs Automotive, (atual ZF Aftermarket). Ela é formada em Administração de Empresas, com MBA em Marketing e em E-commerce.

“No início, sem entender muito sobre o nosso mercado, fui atraída pelo porte da empresa, o que acabou se tornando secundário quando percebi o quão fascinantes eram o nosso setor e mercado. Permaneci lá por 21 anos, sendo 7 anos na área de Vendas e 14 anos responsável pela área de Marketing na América do Sul. Antes de iniciar na Cobra Rolamentos e Autopeças, atuei por 3 anos como consultora de Negócios e Marketing em empresas de diferentes setores (farmacêutico, arquitetura e logística), além de gerir meu próprio e-commerce de moda por 2 anos”, recordou-se.

Desse período, ela ressaltou que atuar em outros setores e ter tido a experiência de ser empreendedora lhe tornaram uma profissional mais completa. “No entanto, sentia muita falta do nosso setor e das pessoas que fazem este mercado tão fascinante. Foi então que aceitei o desafio de reestruturar a área de Marketing e Comunicação na Cobra Rolamentos e Autopeças e conduzir novos projetos como o lançamento da loja online da COBRA, promoção da nossa marca própria, Cobra Automotiva e a criação do Dia do Rolamento”.

Em sua carreira, o que ela mais aprecia é a diversidade de assuntos que aborda diariamente. “Enriquecendo meu conhecimento e mantendo minha rotina dinâmica e interessante. Através da introdução de novas ideias e perspectivas, sinto-me parte integral do crescimento e da evolução da empresa. Essa sensação de estar contribuindo ativamente para alcançar metas significativas é o que verdadeiramente me motiva e me faz amar o que faço”, especificou.

Sobre as suas conquistas ao longo dos anos, Patrícia pontuou: “a admiração das pessoas, credibilidade e confiança no meu trabalho foram conquistas que tenho em grande conta. O escopo de atuação também possibilitou atuar em mercados diferentes do brasileiro, favorecendo conexões e exercitando a leitura de cenários e planejamento”.

Quanto à forte presença masculina no setor, disse ela, “dentro das organizações que atuei sempre tive a felicidade de trabalhar com profissionais de alto nível, que me inspiraram e me ajudaram a tornarme a profissional que sou hoje. Fora do escritório, por algumas vezes percebi que tinha que provar conhecimento ou habilidade em algum tema antes de ser realmente ouvida. Mas isso nunca me intimidou, tão logo “comprovado” o conhecimento, as tratativas seguiam normalmente”.

Para finalizar, ela deixou uma mensagem para as mulheres que estão entrando no setor de autopeças. “Levante a sua própria barra, desafiem-se constantemente e busquem se destacar. Construam redes de apoio com outras profissionais, mantendose sempre abertas ao aprendizado e à adaptação às novas tendências do setor, definam objetivos ousados para a sua carreira e persigam-nos com dedicação, foco e trabalho”.

Fátima Soares, fundadora e CEO da Takao

Equidade de gêneros

Formada em Economia pela PUC-SP, Fátima Soares é fundadora e CEO da Takao. Tudo começou em 2020, quando, então, a microempreendedora estava em uma pequena sala dentro de uma retífica de motores na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo, e teve dificuldades para encontrar peças de reposição para alguns automóveis importados.

Ela começou a importar por conta própria os componentes que não encontrava no mercado local, atendendo tanto a sua empresa, como outras oficinas. Ela criou a Goop Distribuidora, empresa 100% nacional, com foco em oferecer peças de reposição que não estavam disponíveis no mercado automotivo brasileiro. Anos depois, com o crescimento do setor, a companhia passou por uma reestruturação, criando sua marca própria de autopeças, a Takao, em 2011.

Hoje, cerca de 30% do quadro de colaboradores da empresa são mulheres. “Eu tenho orgulho em dizer que temos um dos maiores percentuais de mulheres no quadro de colaboradores no segmento, ocupando cargos diversos, em áreas como suporte ao cliente, pós-vendas, supply chain, marketing, entre outras”. E pelo empreendedorismo no setor.

“A indústria automotiva tem sido vista há muito tempo como uma área dominada pelos homens, mas uma mudança significativa está em curso à medida em que mais mulheres apostam no empreendedorismo. À medida em que mais mulheres atuem na indústria automotiva, o segmento como um todo se beneficia com uma maior diversidade, criatividade e inovação”, afirmou.

Equidade de gêneros

Um estudo da Gi Group, realizado em 11 países com 6,5 mil profissionais da indústria automotiva, montadoras e fabricantes de autopeças, aponta que apenas 50,3% dos entrevistados disseram que suas empresas têm ações para garantir igualdade de remuneração e oportunidades para as mulheres e 41,1% afirmaram que as organizações têm ações para promover lideranças femininas. Para 38,4% dos entrevistados, a fraca visibilidade dada a essas lideranças no setor afasta as mulheres desse mercado de trabalho.

Por outro lado, o mesmo estudo revela que o Brasil é destaque no ranking de igualdade, por aqui, 96,4% dos entrevistados disseram que as empresas atuam para eliminar a disparidade de gênero. O País também é destaque na promoção de modelos e líderes femininas dentro das empresas, ação listada em primeiro lugar no ranking, conforme 59% dos entrevistados no Brasil. Quando o assunto é igualdade de remuneração e oportunidades de progressão na carreira, o país que se destaca é a Itália (66%), enquanto no Brasil esse percentual é de 57%. “Além dos tradicionais, como plano de saúde e seguro de vida, considerar benefícios adicionais, como flexibilidade de horário, trabalho remoto (quando possível), programas de bem-estar e descontos em produtos”.

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