Alta no imposto e o risco da eletrificação

Em um momento de mudanças climáticas intensas e com o avanço global da mobilidade elétrica, adotar barreiras de acesso pode retardar a renovação da frota nacional

Desde 1º de julho, os carros 100% elétricos passaram a pagar 25% de imposto, enquanto os híbridos convencionais foram taxados em 30% e os híbridos plug-in, em 28%; um aumento médio de aproximadamente 30%. Até julho de 2026, o governo federal prevê que as alíquotas aumentem gradualmente até atingir 35% para todos os eletrificados importados.

Na avaliação de Rogério Marin, CEO da Tek Trade, empresa catarinense especializada em importação e exportação, especialista em comércio exterior e presidente do Sindicato das Empresas de Comércio Exterior de Santa Catarina (Sinditrade), o impacto mais relevante desta medida é o risco de desaceleração da adoção de tecnologias limpas no Brasil. “Em um momento de mudanças climáticas intensas e com o avanço global da mobilidade elétrica, adotar barreiras de acesso pode retardar a renovação da frota nacional”, afirmou.

Para o especialista, a medida pode encarecer o acesso aos eletrificados e reforça a necessidade de investimentos em infraestrutura e incentivos mais robustos para que o País avance na produção destes veículos. “O equilíbrio entre proteção à indústria brasileira e o incentivo às novas tecnologias é fundamental para o desenvolvimento da mobilidade sustentável”, ressaltou.

Atratividade às montadoras

Marin foi enfático ao dizer que para o programa Mover ser realmente atrativo às montadoras, é preciso garantir segurança jurídica e oferecer condições que não discriminem importados. “O programa Mover oferece redução de IPI (IPI Verde), isenção de impostos para autopeças sem similar nacional e exige investimentos em P&D (0,3% a 0,6% da receita bruta). Ele alinha o Brasil à descarbonização global, mas precisa evitar armadilhas legais. O Programa Carro Sustentável, parte do Mover, repete o erro do Inovar-Auto (2012–2017), condenado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e tribunais brasileiros por discriminar veículos importados. Montadoras como BYD e GWM investem em fábricas locais, mas a taxação de até 35% sobre veículos importados até 2026 desincentiva tecnologias de ponta”, enfatizou.

Ele acrescentou que a infraestrutura de recarga é precária, e o foco em híbridos flex a etanol pode desviar recursos de elétricos puros. “A dependência de diesel importado, devido à limitada capacidade nacional de refino, torna urgente a eletrificação de veículos comerciais, como ônibus e caminhões urbanos, que reduziriam nossa dependência estratégica de diesel importado, diminuindo emissões e limpando o ar das cidades. Para que o programa seja realmente atrativo às montadoras, é preciso garantir segurança jurídica e oferecer condições que não discriminem importados. Isso criaria um ambiente mais equilibrado, capaz de atrair investimentos de peso no setor de eletrificados”, justificou.

Ainda sobre o programa Carro Sustentável, Marin comentou que a isenção de IPI impulsiona o mercado e mostra um impacto positivo, mas é cedo para comemorar. “O período curto e fatores sazonais, como promoções, limitam a análise. A restrição à produção local exclui elétricos importados (por exemplo, BYD Dolphin, Volvo EX30) e repete o erro do Inovar-Auto (como dito anteriormente. Com eletrificados abaixo de 5% do mercado, isenções amplas têm baixo impacto fiscal. Reduzir IPI, PIS, COFINS e ICMS para nacionais e importados baratearia preços e aceleraria a adoção ao programa, com a possibilidade de redução gradual dos incentivos com o crescimento do mercado”, afirmou.

Popularização dos eletrificados

O preço elevado, segundo Marin, é uma das maiores barreiras à popularização dos eletrificados. “Um carro BEV em 2030 emitirá 44 g CO₂ eq./km, contra 136–160 g CO₂ eq./km de um flex em 2023, mas seu preço atual escapa ao alcance do consumidor médio brasileiro. A infraestrutura de recarga limitada aumenta a insegurança e derruba o valor de revenda dos elétricos usados, outro fator que afasta potenciais compradores de elétricos novos. A soma desses fatores acaba travando o mercado e reforça a necessidade de políticas mais amplas de incentivo que tornem os eletrificados viáveis para o consumidor médio”, defendeu.

Ainda de acordo com ele, “a Anfavea defende incentivos para a indústria local, como híbridos flex. Mas o consumidor é limitado por preços, infraestrutura e políticas. O mercado é moldado por regulações, não pela escolha livre. 

O Programa Mover é um marco, mas o Carro Sustentável enfrenta riscos legais. A baixa penetração de eletrificados permite isenções amplas, enquanto o potencial fotovoltaico e a eletrificação de comerciais reduziriam a dependência de diesel importado. Nenhum mercado de mobilidade elétrica do mundo realmente decolou sem a presença da Tesla. O Brasil precisa atrair a empresa e corrigir erros do passado para liderar a eletrificação na América Latina e se tornar um exportador líquido de componentes e veículos elétricos. Essas medidas criariam condições mais efetivas para o crescimento da participação de elétricos na frota nacional”, explicou.

Mais acesso aos eletrificados

Para haver uma renovação da frota e mais acesso aos eletrificados, Marin pontuou a necessidade de um conjunto de medidas:

– Incentivos fiscais amplos: Reduzir IPI, PIS, COFINS e ICMS para todos os eletrificados, respeitando a OMC, com redução gradual dos incentivos conforme o mercado cresce.

– Infraestrutura de recarga: Expandir estações com energia fotovoltaica, via parcerias público-privadas.

– Atração da Tesla: Oferecer incentivos para a empresa instalar fábricas de baterias e trazer para o Brasil a sua rede de carregadores rápidos, a maior e mais eficiente do mundo.

– Eletrificação de comerciais: Incentivar ônibus e caminhões elétricos para reduzir dependência de diesel importado.

– Renovação da frota: Troca de veículos antigos por elétricos, com bônus para descarte responsável.

– Produção local: Estimular baterias e componentes sem discriminar importados.

– Regra “1 X 1”: Empresa pode importar livre de Imposto de Importação 1 dólar para cada dólar que exportar.

– Educação: Campanhas sobre benefícios dos elétricos.

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Frota

Dados da International Energy Agency (IEA) mostram que a frota mundial de elétricos e híbridos plug-in atingiu 60 milhões de unidades em 2024, um salto significativo em relação aos 7,5 milhões registrados em 2019. A Bloomberg NEF projeta que o mercado global de veículos eletrificados deve alcançar

US$ 1,084 bilhão em 2029, com a venda de 30 milhões de unidades já em 2027. No Brasil, a frota de eletrificados é de mais de 500 mil veículos. Os híbridos são a maioria, seguidos pelos híbridos plug-in e pelos 100% elétricos.

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