O melhor caminho para o transporte de carga pesada no Brasil

É o que revela um estudo inédito do Instituto Ar, comparado as diferentes fontes de energia e os impactos nas emissões de gases de efeito estufa,  em custos ambientais e de saúde

Um estudo inédito do Instituto Ar revelou que até 2050, a eletrificação do transporte de carga pesada no Brasil pode gerar reduções de 46% nas emissões de gases de efeito estufa e de R$ 5 bilhões em custos ambientais e de saúde. Para modelos híbridos a diesel a redução é bem menor, de 8% nas emissões e de R$ 298 milhões em custos evitados, também até 2050. Por outro lado, os modelos movidos a gás natural e biodiesel aumentam as emissões líquidas e os custos econômicos ao longo do tempo.

Uma das constatações é que a utilização integral de biodiesel (B100) até 2050 exigiria cerca de 215 milhões de hectares de terras agrícolas, o equivalente a mais de 25% do território nacional, uma demanda que pode contribuir para 59% do desmatamento indireto projetado no Brasil. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o óleo de soja representou cerca de 66% da produção brasileira de biodiesel em 2022.

Quanto aos impactos na saúde, entre 2013 e 2023, mais de R$ 24 bilhões foram gastos em hospitalizações relacionadas a doenças, como câncer do sistema respiratório, doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e respiratórias, além de diabetes mellitus; associadas à exposição a material particulado fino (MP2,5) e óxidos de nitrogênio (NOx) de caminhões movidos a diesel. E, ainda, um atraso de um ano na adoção da norma P-8 (Euro VI) resultaria em mais seis mil mortes prematuras entre 2023 e 2050. Atrasos na implementação de tecnologias de diesel mais limpas devem aumentar os gastos com saúde em quase US$ 11,5 bilhões até 2040.

As pesquisadoras do estudo trabalharam com modelos de diferentes cenários para a substituição da frota de caminhões pesados a diesel por tecnologias mais limpas em São Paulo, estimando reduções de emissões de poluentes até 2030 e 2050, prazos definidos pelo Brasil em acordos internacionais para reduzir e zerar suas emissões. Para se ter uma ideia, em 2020, a frota de caminhões pesados a diesel respondeu por 60% do consumo total de energia para cargas, enquanto os caminhões médios e leves representaram 49,9% das emissões de CO2 do setor de transporte. 

A análise do estudo aponta para tecnologias mais limpas substituindo progressivamente os veículos a diesel a partir de 2030, incluindo, gás natural liquefeito (GNL), gás natural comprimido (GNC), biodiesel, diesel híbrido, caminhões elétricos a célula de combustível de hidrogênio e elétricos a bateria, com a premissa de expansão da infraestrutura para dar suporte à demanda.

O estudo também pressupõe que a capacidade de refino de petróleo bruto permanecerá inalterada até 2050. Além disso, inclui um aumento anual de 3,9% na capacidade de produção de biodiesel e uma expansão constante da geração de eletricidade renovável a partir de fontes hidrelétricas, eólicas e solares.

Em entrevista ao Balcão Automotivo, Patrícia Ferrini, especialista em avaliação dos impactos ambientais, econômicos e em saúde da poluição atmosférica em áreas urbanas, especialmente em fontes oriundas de transportes, e líder do estudo, falou sobre a renovação da frota.

Balcão Automotivo – Em sua opinião, o que falta para que haja incentivo para a renovação da frota?

Patrícia Ferrini – Hoje, o que falta é um conjunto de políticas públicas mais coerentes e integradas. Sabemos que a eletrificação de caminhões traz ganhos claros para a saúde, o meio ambiente e até para a economia. No entanto, a realidade no Brasil ainda é marcada por subsídios ao diesel, falta de metas obrigatórias para veículos menos poluentes e pouco acesso ao crédito, especialmente, para os caminhoneiros autônomos que representam grande parte da frota.

Patrícia Ferrini, especialista em avaliação dos impactos ambientais, econômicos e em saúde da poluição atmosférica em áreas urbanas, especialmente em fontes oriundas de transportes, e líder do estudo – Foto: Divulgação

Além disso, o País ainda não tem infraestrutura de recarga elétrica suficiente para viabilizar a transição. Tudo isso precisa mudar. É urgente criar incentivos financeiros, regras claras e investimentos em infraestrutura, pensando especialmente nos pequenos operadores que sustentam a logística nacional.

BA – Como a senhora diz, sem uma intervenção eficaz, as emissões de caminhões a diesel continuarão a sobrecarregar o sistema de saúde brasileiro. O que seria uma intervenção eficaz?

PF – Defendo uma resposta estruturada, que vá além de soluções pontuais. Além disso, é fundamental eliminar gradualmente os subsídios ao diesel, adotar mecanismos de precificação de carbono e estabelecer metas obrigatórias para veículos com emissão zero até 2040. Também é necessário investir em infraestrutura de recarga elétrica e criar linhas de financiamento acessíveis, além de garantir que caminhões antigos realmente saiam de circulação e não continuem poluindo em outras regiões. A ideia é combinar saúde pública, justiça climática e desenvolvimento econômico, com políticas que tenham impacto real no dia a dia das pessoas.

BA – Considerando a idade avançada da frota de caminhões no Brasil (mais de 12 anos), e muitos deles nas mãos dos autônomos, quais seriam os caminhos para reverter essa realidade?

PF – Esse é um dos maiores desafios hoje. Muitos caminhoneiros rodam com veículos com mais de 20 ou 30 anos de uso, sem acesso a crédito, muitas vezes endividados, e com margens de lucro muito apertadas. Para mudar isso,  precisa de políticas específicas para os autônomos, com subsídios diretos, linhas de crédito simplificadas e isenção de impostos.

Uma medida importante foi a publicação da Portaria nº 1246/2023, que permitiu que caminhoneiros que entreguem seus veículos para descarte recebam o benefício sem a obrigação de comprar um novo caminhão. Isso reconhece que muitos autônomos simplesmente não têm como financiar um veículo novo de imediato. Além disso, programas de cooperativas, consórcios ou aluguel de caminhões elétricos poderiam ser alternativas viáveis. A renovação da frota precisa olhar para a realidade concreta de quem está na estrada.

BA – Finalizando, muitos programas já foram anunciados pelo Governo Federal para a renovação de frota de caminhões, mas sem muitos resultados. O quanto o Brasil está atrasado neste quesito?

PF – Infelizmente, o Brasil está muito atrasado. Enquanto países como Chile, México e China já implementam programas eficazes de renovação da frota, com controle rigoroso e resultados concretos, por aqui ainda vemos baixa adesão e falta de articulação entre governo, indústria e operadores.

O próprio programa lançado em 2023, com R$ 700 milhões em incentivos, teve adesão de apenas 14% dos recursos previstos. Isso mostra que o modelo atual não atende à realidade do setor, especialmente dos autônomos. Além disso, a idade média da frota brasileira é muito superior à de países desenvolvidos. Mais de 6% dos caminhões em circulação têm mais de 30 anos. A consequência disso é clara: mais poluição, mais gastos com saúde, mais acidentes e mais custos logísticos.

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Metodologia

Para as estimativas de custo com saúde, as pesquisadoras conduziram uma avaliação atualizada das despesas com hospitalização no Sistema Único de Saúde (SUS) associadas com a poluição. Para chegar aos impactos econômicos foi feita uma avaliação abrangente das emissões de GEE e poluentes no setor de transporte rodoviário de cargas de São Paulo em diferentes cenários, realizada por pesquisadores do Imperial College London e da Universidade de São Paulo (USP).

As pesquisadoras também utilizaram o modelo da Plataforma de Análise de Baixas Emissões (LEAP) do Instituto Ambiental de Estocolmo para estimar as emissões da queima de combustível em veículos (emissões do lado da demanda), produção e processamento de combustível (emissões de transformação) e emissões de combustíveis importados, particularmente, para cenários dependentes de fontes externas de combustível.

O modelo da LEAP integra múltiplas entradas, incluindo a composição da frota e as transições entre cenários, os fatores de emissão para cada tipo de veículo e a matriz energética para alternativas baseadas em eletricidade. Além das taxas de sobrevivência dos veículos e os fatores de degradação ao longo do tempo para garantir uma representação precisa das emissões reais.

As estimativas originais de custo de dano foram derivadas de fontes como a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

 

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