Ao longo de décadas, o setor automotivo foi criando tendências baseadas em diferenciais, como desempenho, potência e design. Mais recentemente, os cada vez mais rígidos padrões ambientais e de segurança também entraram nessa pauta. Por fim, começamos a falar com frequência nas transformações que serão trazidas pelas novas tendências seculares, aquelas de longo prazo, compostas pelos ACES: autonomous (autônomo), connected (conectado), electric (elétrico), shared (compartilhado). 2023 tem tudo para ser um ano de consolidação dessas diretrizes no mercado brasileiro.
Até pouco tempo atrás, os carros realmente populares reinavam no Brasil. Hoje, estamos vivenciando um momento de elitização do carro zero. Diferenciais como um interior tecnológico e com painel digital, por exemplo, influenciam na compra de um automóvel nos anos 2020. Os veículos estão ficando cada vez mais sofisticados, e o consumidor busca justamente aqueles hiperconectados, ou seja, repletos de aplicativos digitais, que possam conectar o veículo com seu smartphone ou tablet.
É claro que a realidade econômica do Brasil não é a mesma da Europa, Estados Unidos e China, mas já podemos observar mudanças significativas. Quando falamos em veículos 100% autônomos, por exemplo, ainda é uma realidade distante em termos de escala para o mercado nacional, até pela dificuldade de leitura de placas e sinais de trânsito. Contudo, cada vez mais sistemas de segurança embarcados nos chamados veículos semiautônomos geram oportunidades na reparação e reposição, na medida em que aumenta a complexidade dos modelos. Fabricantes, como Volkswagen e Honda, já trazem de série, mesmo em carros na faixa intermediária de preço, o controle de velocidade adaptativo, que reduz a velocidade quando necessário, e retoma quando possível, oferecendo mais conforto e segurança aos passageiros.

A conectividade é outra aposta forte das montadoras instaladas no Brasil. A ideia é manter um vínculo mais próximo com o cliente, inclusive ampliando a retenção na rede de concessionárias por meio de ofertas exclusivas de serviços e de maior conveniência para os usuários das tecnologias de conexão do veículo com a montadora e as concessionárias. Também começam a aparecer novos modelos de negócios no aftermarket, aproveitando esse movimento. Seguradoras e empresas que oferecem planos de manutenção regulares a veículos, por exemplo, já estão ofertando equipamentos que conectam o automóvel por meio da porta OBDII, visando obter dados de utilização e do comportamento do veículo para aumentar a assertividade da sua oferta de serviços.
Já a eletrificação da frota brasileira, que começou um tanto quanto atrasada, avança mais rapidamente nos últimos anos. Novas montadoras estão chegando ao Brasil com ampla oferta de veículos elétricos, como a chinesa Great Wall Motors (GWM), enquanto as que já estão aqui estabelecidas buscam aumentar as ofertas no seu portfólio, como a Caoa Chery e a Toyota. Os primeiros veículos híbridos lançados no mercado brasileiro já estão chegando na rede de reparação e reposição independente. Modelos como o Toyota Prius já estão com idade suficiente para sair da garantia e ser atendidos em redes, o que gera a necessidade de investimento em capacitação técnica e novos equipamentos para lidar com essas tecnologias avançadas.
O futuro do Brasil provavelmente não será 100% elétrico, mas, sim, híbrido, aproveitando a matriz energética baseada no etanol, que continua trazendo desafios na manutenção de veículos a combustão, com um componente a mais, que é lidar também com motores elétricos que compõem o sistema híbrido. Esse é um cenário bem favorável para a reposição e a reparação independente, que temem o carro 100% elétrico, pois demanda muito menos manutenção e com uma complexidade bastante distinta.
Por fim, quando falamos em carros compartilhados (shared), notamos a ampliação de novos modelos de utilização do veículo. Estamos falando aqui da assinatura de carros em longo prazo, que traz também novos desafios para a rede de reparação e reposição, além do aluguel, formato que cresceu com serviços de transporte, como a Uber. Acordos com locadoras podem gerar novas oportunidades de negócio por meio de contratos que dão uma boa previsibilidade de fluxo de passagens nas oficinas ou vendas de autopeças.
Em maior ou menor grau, as ACES vão dominar o futuro do mercado automotivo. Cabe a nós entender as melhores possibilidades e nos adaptar rapidamente às tendências para chegar mais longe.
*Renato Matias Vieira Lass (foto) é diretor da vertical de Aftermarket Automotivo da Linx, empresa da plataforma de software StoneCo, especialista em tecnologia para o varejo e líder no mercado de software de gestão, com 45,6% de market share do mercado varejista, conforme atesta o IDC. Toda a expertise da Linx é focada em um varejo de — e para — pessoas, conectando o indivíduo à facilidade, inteligência e experiência desejada do mundo online ao offline