BA | 201 A falta de profissionais qualificados pode estar no modelo da empresa

Capacitar, treinar, incentivar e criar um ambiente saudável faz a diferença para reter talentos, que muitas vezes estão ao seu lado e só esperam por uma oportunidade

Por Karin Fuchs

Atualmente, quatro gerações convivem no mercado de trabalho: Baby Boomers (nascidos entre 1945 e 1964), Geração X (nascidos entre 1965 e 1981), Geração Y ou Millennials (nascidos entre 1982 e 1994) e a Geração Z (nascidos entre 1965 e 1981). Elas têm características diferentes, mas que se complementam, por isso, é papel da empresa promover a integração e a harmonia no ambiente de trabalho, e um tema recorrente no setor de autopeças é a qualificação e capacitação de seus colaboradores.

A orientação de Reginaldo Andrade, consultor de Negócios do Sebrae São Paulo e especialista em Gestão de Pessoas, é as empresas terem uma gestão de desenvolvimento do colaborador, independentemente do seu porte. “Desta forma, elas envolvem os seus colaboradores em todo o processo, lhes dão autonomia e mantêm uma equipe qualificada. O empresário deve gerar líderes e empreendedores com senso de propósito, engajálo para ajudá-lo a caminhar para o seu sonho e se realizar profissionalmente”.

Reginaldo Andrade, consultor de Negócios do Sebrae São Paulo e especialista em Gestão de Pessoas

Andrade ressalta que o engajamento é o que difere um vendedor de um consultor. “Um consultor é o profissional que não só entende tecnicamente do produto, mas do cliente para solucionar o problema dele. A experiência do cliente na loja tem uma relação direta com a qualidade do atendimento. Eu costumo dizer que o grande problema do empresário é quando ele começa a crescer, pois ele precisa sair do operacional e criar uma estrutura funcional que gire sem ele. Caso contrário, ele pode ficar refém do seu próprio negócio e acaba sendo o próprio problema para o seu negócio não crescer”.

Clareza de cargos e funções

Na gestão de desenvolvimento do colaborador é importante a empresa ter com clareza critérios para reter talentos com incentivos e bem definidos os cargos e as funções, conforme explica Andrade. “A falta de mão de obra qualificada é uma dor recorrente do empresário do pequeno negócio e, muitas vezes, o problema está no próprio modelo de negócio. Falta à empresa ter um descritivo de cargos, as designações claras e objetivas para a equipe, de forma que no desenho organizacional cada colaborador entenda a sua função e desenvolva o seu potencial”.

Madalena Feliciano, gestora de carreira e CEO das empresas, Outliers Careers, IPCoaching e MF Terapias

Ele comenta que às vezes, na dinâmica natural e operacional, o empresário acaba vendo o colaborador como mais uma engrenagem, sem saber liderar e ter critérios para manter e reter talentos, com benefícios, cargos e salários muito bem especificados. “A pequena empresa não gosta de ouvir o termo gestão de carreira, pois realmente isso é trabalhado nas grandes. Nas pequenas, a gente fala muito em gestão de desenvolvimento do colaborador”.

Engajamento das diferentes gerações

Gestora de carreira e CEO das empresas, Outliers Careers, IPCoaching e MF Terapias, Madalena Feliciano, comenta que ainda que as gerações Y e Z tenham crescido em um mundo digital e estão acostumadas a usar a tecnologia em todas as áreas de suas vidas, essas gerações preferem as relações mais humanizadas. “O que levanta a importância do apoio dos líderes e boas relações no trabalho, que podem ser cultivadas através do diálogo para gerar maior identificação com o local de trabalho”, acrescenta.

Essas gerações também valorizam a diversidade e a inclusão no local de trabalho e um ambiente inclusivo e colaborativo. Para que haja engajamento, a orientação de Madalena é investir em treinamentos, palestras e jogos corporativos. “Treinar, desenvolver, engajar, deve ser um trabalho contínuo, desta forma reforçamos o objetivo em comum e desenvolvemos habilidades necessárias de cada funcionário. É fundamental ter um ambiente de confiança, onde as diferenças são vistas como ponto positivo”.

Mariza Roberto de Campos, gerente de Recursos Humanos do Grupo Perim

E nunca, segundo ela, estimular a concorrência entre os colaboradores. “Muitos líderes acreditam que estimular a concorrência interna trará mais resultado, ao contrário disso, é necessário que essa concorrência seja saudável, que os colaboradores confiem no seu time e gestor e trabalhem unidos por um bem maior e comum”, esclarece.

Motivação e plano de carreira

Composto por 15 lojas e mais quatro empresas de outro segmento, hoje o Grupo Perim emprega 500 colaboradores e tem uma política muito clara de motivação e valorização, e preza por um ambiente de trabalho saudável e colaborativo, graças às lideranças muito próximas dos liderados. Quando uma nova vaga é aberta, o primeiro passo é buscar internamente quem pode ocupá-la. “Antes de buscarmos fora, verificamos internamente. Tanto que a maioria dos nossos vendedores e gerentes entrou como auxiliar de estoque”, conta a gerente de Recursos Humanos, Mariza Roberto de Campos.

E exemplos não faltam. No Grupo Perim, três encarregados de estoque entraram na empresa como auxiliares de limpeza, uma supervisora administrativa também começou como auxiliar de limpeza e um gerente de estoque, como auxiliar de estoque. “A gente tem esse plano de carreira e incentivamos as pessoas a ficarem com a gente. O que dá certo, pois temos muitos colaboradores que estão na empresa há anos”.

Para qualificar e capacitar o time, a fórmula é fazer isso internamente, envolvendo as próprias lideranças e os colaboradores. “Nós investimos bastante em treinamentos com as lideranças e os funcionários, gostamos de treinar internamente e, desta forma, eles têm o sentimento de pertencimento.

Marcio Antonio dos Santos, consultor Comercial da Radial Mais

Ao contrário de uma consultoria externa que não conhece a realidade de cada um, internamente, nós sabemos quem é quem, as dificuldades que cada um tem e a sua história, o que facilita para mapearmos e fazermos esse trabalho motivacional e de capacitação, inclusive, com as novas gerações”.

Mariza comenta que como reflexo deste trabalho, em pouco tempo, desde 2022, houve uma redução significativa de turnover dentro da empresa. “Nós estamos bem focados em motivar os funcionários para que eles trabalhem felizes, pois sabemos também que um funcionário motivado rende até 70% do seu potencial e ao contrário, não rende nem 7%, além de desmotivar outras pessoas que estão próximas a ele. Nós também fazemos um trabalho preventivo, pois funcionário desmotivado adoece”.

O Grupo Perim tem a certificação ISO 9001, versão 2015, um padrão internacional que estabelece os requisitos para um sistema de gestão de qualidade eficaz em uma organização, o que a impulsionou a adotar a Kaizen, uma ferramenta de Lean Manufacturing (Manufatura Enxuta) que melhora tanto a qualidade quanto a produtividade, a segurança e a cultura no local de trabalho. “Nós criamos o nosso primeiro grupo para utilizar essa ferramenta no nosso estoque em Guarulhos (SP). Nós estamos sempre inovando”, conclui.

Saber valorizar

Por aproximadamente 15 anos, Marcio Antonio dos Santos atuou em renomadas distribuidoras de autopeças do País. Ele começou como promotor de vendas e na última empresa, a SK Mobility, foi gerente de filial. Hoje à frente de um novo desafio, ele é consultor Comercial da Radial Mais, empresa de manutenção de caminhões da Radial Transporte, que atua no transporte coletivo na região do Alto Tietê, ele recorda-se o quanto bons mentores fizeram a diferença na sua carreira profissional e dos ensinamentos que teve, o quanto aprendeu a enxergar e a valorizar as pessoas.

Ele concorda com Reginaldo Andrade, que disse no início desta matéria que muitas vezes o problema de mão de obra qualificada está no modelo de gestão da empresa. “Eu trabalhei em uma distribuidora que tinha um sistema de gestão pioneiro na época, mas que não dava incentivo e oportunidade para os seus colaboradores evoluírem, os que se destacavam não tinham opção, ou continuavam no mesmo cargo, o que gerava uma insatisfação, ou buscavam uma nova oportunidade em outra empresa”.

Mas para ele foi diferente. “Eu tive ótimos mentores que me incentivaram muito, um deles foi o Mauro Loureiro, no Grupo Real Motopeças, que dizia: ‘vão para cima, tem que ser assim’. Com ele, missão dada era missão cumprida, e foi com ele que eu mais aprendi. Também tive uma escola com o Pedro Molina, uma referência no setor. E quando eu mesmo passei a fazer o papel de gestor, eu sabia o quanto era importante incentivar as pessoas e a enxergar o potencial delas”.

Entre vários casos que ele citou, um deles foi na SK Mobility. “Eu trouxe de volta um vendedor que se tornou o meu coordenador externo. Surgiu uma oportunidade para ele trabalhar em uma indústria, eu o incentivei a ouvir a proposta, e hoje ele está lá como coordenador de vendas nacional”, orgulha-se.

Também na SK Automotive, ele deu a oportunidade para um garoto de 19 anos, que tinha perdido o emprego em uma empresa de kart durante a pandemia e estava trabalhando como pedreiro. “O Vitor não tinha experiência em vendas de autopeças, mas eu vi o seu potencial.

Recentemente, ele me ligou para me agradecer por eu tê-lo ajudado e para me contar que tinha fechado o mês com R$ 150 mil em vendas e que tinha aprendido o que de fato era vender. Eu fiquei muito feliz”.

Com as novas gerações, ele tem uma dica preciosa. “Eles são muito conectados ao WhatsApp e ao envio de e-mails, mas não fazem o relacionamento pessoal. O meu jargão para eles é ‘se ligar, vende’. Como gestor, o meu papel é levar o vendedor até o cliente e mostrar o trabalho na prática. Eu fiz muito isso, e percebia que alguns travavam. Pela minha experiência como promotor, eu fui ensinando como quebrar o gelo e se aproximar do cliente”.

Fabio Sartorelli, coordenador Regional de Vendas da Filtros Turbo

Hoje, ele tem um desafio no novo emprego como consultor Comercial. “A linha pesada nunca foi o meu forte e o que eu tenho feito é visitar os mecânicos para aprender mais. Muitas vezes, você se tem o conhecimento e não a capacidade da prática, o que vai te dificultar a estar dentro do mercado de trabalho”, afirma.

Falta formação técnica

Coordenador Regional de Vendas da Filtros Turbo, Fabio Sartorelli, tem mais de 40 anos no setor e por 20 anos foi proprietário de uma oficina mecânica para veículos leves. De toda a sua vivência, ele conta o quanto faz falta cursos técnicos para vendedores de autopeças. “Quando eu comecei com a minha empresa, eu era da área química e sempre gostei de carros, eu fui me especializando no setor e participei de vários cursos e treinamentos. Me especializei em algumas linhas, como filtros, lubrificantes, a parte mecânica e a parte técnica de softwares, o que ajuda muito no dia a dia até hoje, mas percebo que para vendedores não há cursos técnicos”.

O que há, diz ele, são treinamentos promovidos pelos fabricantes e distribuidores. “Porém, muito voltados para os produtos que os próprios vendedores já comercializam. A capacitação é mais superficial, os vendedores aprendem mesmo na raça e os que vieram do estoque têm uma visão mais ampla de todos os produtos. De maneira geral, não tem muita gente especializada para vender peças e, principalmente, fora de São Paulo, como Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, o consenso é de que não há mão de obra. Vejo também que são poucos os que querem trabalhar em autopeças, o mais comum é nas empresas familiares as novas gerações chegando”, finaliza.

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